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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Rigidez conceitual

Passei a minha vida de pastor, de marido, de pai, defendendo e praticando conceitos pouco ou nada permeáveis. Sincero e correto, gratificava-me a minha firmeza, a minha intransigência, os meus valores e correção pessoal. Se ganhei com isso, também perdi.

Porque a rigidez conceitual, posto que  defensora da firmeza e da integralidade de conceitos (e amém por isso!), pode se resvalar para o terreno inóspito, onde vicejem as sementes do confronto, da intolerância, da opressão moral e da incapacidade de entender a realidade e circunstâncias do outro.

A rigidez conceitual é, via de regra, impermeável ao diálogo. A verdade é unilateral e pré-estabelecida, não se permitindo o contraditório e se fechando a porta para a tolerância e intercâmbio de pontos de vista. A alteridade e o mundo do outro não são levados em conta e, sim, o "meu" ponto de vista, a "minha" compreensão da verdade. Zelosa dos códigos da lei, se atrapalha com a escandalosa mensagem da graça de Deus, revelada em Cristo Jesus.

Melhor seria, para a rigidez conceitual, não houvesse na Bíblia textos incômodos e a ela desconfortáveis, tipo:

Romanos  cap.4, vs. 4 e 5
    “Misericórdia quero e não sacrifício”(1)
           Isaias  cap. 58
               “Onde abundou o pecado superabundou a graça”(2)
                     “A misericórdia triunfa sobre o juízo”(3)  
                           “As misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã”(4)
                                  “O meu fardo é leve e o meu jugo é suave”(5)

O defensor da rigidez conceitual é normalmente severo consigo mesmo e impiedosamente correto(Saulo de Tarso que o diga!).  Quase sempre prisioneiro de sua pretensa mas disfarçada retidão. De seus princípios. De sua alardeada integridade. Não abre espaço para o intercâmbio, para o diálogo. Por nada e em nada se flexibiliza. Nunca cede. E sofre. Sofre por dentro. Porque, lá no fundo, no fundinho mesmo da alma, sabe que não é o que se propõe e gostaria de ser(6). E quando se permite convencer-se daquilo que não é, terá se tornado um farsante; um tremendo de um fariseu.

Ainda jovem pastor, em razão de dores inespecíficas e renitente quadro depressivo, consultei-me com um médico inteligente e perspicaz, que  me perquiriu e me garimpou, tentando, sem sucesso, adentrar a intimidade do meu ser. Desanimado, disse, em particular, a quem me acompanhava: “Ele vestiu uma camisa de força e não se permite sair  dela”. Indignou-me a sua observação, mas fiquei incomodado. Anos depois, tive que admitir: o médico estava certo!

O defensor da rigidez conceitual sempre se diz agindo em nome de princípios. Princípios? Ou ... leis, dogmas, cláusulas pétreas, coisas do mundo da religião que, com zelo insano, vai passando como trator em cima dos outros e esmagando tudo que não se enquadre em sua particular compreensão da verdade?

Fala muito de fidelidade e zelo para com a “Palavra de Deus” mas não se leva em conta a intenção divina. O texto bíblico vem sempre  frio, literal e enciclopédico, onde se busca e se acha, sempre que se quer, verbetes(versículos aleatórios) para dar sustentação a conceitos já estabelecidos. É o preto no branco, sem espaço para o extático, para a descoberta, a fascinante revelação na Palavra.

Não há lugar para a declaração de Paulo:

“Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito, porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus(7)

 E menos ainda importa o ensino de Jesus: 

“As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida”(8). 

Reflita nisso.

Ao Único Deus!

Abração,

Dnl

(1) Mt 9:13
(2) Rm 5:20
(3) Tg 2:13
(4) Lm 3:23
(5) Mt 11:30
(6) Rm 7:15-25
(7)1Co 2:10 
(8)Jo 6:63

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