Passei a minha vida de pastor, de marido, de pai,
defendendo e praticando conceitos pouco ou nada permeáveis. Sincero e correto,
gratificava-me a minha firmeza, a minha intransigência, os meus valores e correção
pessoal. Se ganhei com isso, também perdi.
Porque a rigidez conceitual, posto que defensora da firmeza e
da integralidade de conceitos (e amém por isso!), pode se resvalar para o
terreno inóspito, onde vicejem as sementes do confronto, da intolerância, da opressão
moral e da incapacidade de entender a realidade e circunstâncias do outro.
A rigidez conceitual é, via de regra, impermeável ao
diálogo. A verdade é unilateral e pré-estabelecida, não se permitindo o contraditório
e se fechando a porta para a tolerância e intercâmbio de pontos de vista. A
alteridade e o mundo do outro não são levados em conta e, sim, o "meu" ponto de vista, a "minha" compreensão da verdade. Zelosa dos
códigos da lei, se atrapalha com a escandalosa mensagem da graça de Deus,
revelada em Cristo Jesus.
Melhor seria, para a rigidez conceitual, não houvesse
na Bíblia textos incômodos e a ela desconfortáveis, tipo:
Romanos cap.4,
vs. 4 e 5
“Misericórdia quero e não sacrifício”(1)
Isaias
cap. 58
“Onde abundou o pecado
superabundou a graça”(2)
“A misericórdia triunfa sobre o juízo”(3)
“As misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã”(4)
“O meu fardo é leve e o meu jugo é suave”(5)
O defensor da rigidez conceitual é normalmente severo
consigo mesmo e impiedosamente correto(Saulo de Tarso que o diga!). Quase sempre prisioneiro de sua pretensa mas
disfarçada retidão. De seus princípios. De
sua alardeada integridade. Não abre
espaço para o intercâmbio, para o diálogo. Por nada e em nada se flexibiliza. Nunca
cede. E sofre. Sofre por dentro. Porque, lá no fundo, no fundinho mesmo da
alma, sabe que não é o que se propõe e gostaria de ser(6). E quando se permite convencer-se daquilo
que não é, terá se tornado um farsante; um tremendo de um fariseu.
Ainda jovem pastor, em razão de dores inespecíficas e
renitente quadro depressivo, consultei-me com um médico inteligente e
perspicaz, que me perquiriu e me garimpou, tentando, sem sucesso,
adentrar a intimidade do meu ser. Desanimado, disse, em particular, a quem me
acompanhava: “Ele vestiu uma camisa de
força e não se permite sair dela”. Indignou-me
a sua observação, mas fiquei incomodado. Anos depois, tive que admitir: o
médico estava certo!
O defensor da rigidez conceitual sempre se diz agindo
em nome de princípios. Princípios? Ou
... leis, dogmas, cláusulas pétreas, coisas do mundo da religião que, com zelo
insano, vai passando como trator em
cima dos outros e esmagando tudo que não se enquadre em sua particular
compreensão da verdade?
Fala muito de fidelidade e zelo para com a “Palavra de
Deus” mas não se leva em conta a intenção
divina. O texto bíblico vem sempre
frio, literal e enciclopédico, onde se busca e se acha, sempre que se
quer, verbetes(versículos aleatórios)
para dar sustentação a conceitos já estabelecidos. É o preto no branco, sem espaço para o extático, para a descoberta, a fascinante revelação na Palavra.
Não há lugar para a declaração de Paulo:
“Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito,
porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de
Deus(7)
E menos ainda importa o ensino de Jesus:
“As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida”(8).
Reflita nisso.
Ao Único Deus!
Abração,
Dnl
(1) Mt 9:13
(2) Rm 5:20
(3) Tg 2:13
(4) Lm 3:23
(5) Mt 11:30
(6)
Rm 7:15-25
(7)1Co 2:10
(8)Jo 6:63
(7)1Co 2:10
(8)Jo 6:63
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