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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Phillip Yancey fala sobre Brennan Manning


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Philip Yancey
Conheci Brennan Manning na Inglaterra, durante o Festival Greenbelt, uma espécie de Woodstock cristão de artistas, músicos e palestrantes, que havia atraído vinte mil fãs, os quais acamparam em tendas e acomodações improvisadas, montadas no campo barrento de uma pista de cavalos de corrida. Brennan parecia deslumbrado com o espetáculo, e, como se fosse um comentarista esportivo, tentava explicar as sutilezas do evangelicalismo à sua esposa Roslyn, católica de berço e que não tinha a experiência dele com aquela subcultura.
Nos anos que se seguiram, não nos vimos muitas vezes, mas sempre que nossos caminhos se cruzaram, nossa amizade se aprofundou, não se contentando com a mera superficialidade. Quando ele ia para um monastério no Colorado participar de retiros espirituais, às vezes conseguia uma dispensa temporária do voto de silêncio e se encontrava comigo e com minha esposa numa sorveteria (um vício que Brennan não revela nestas páginas).
Nossos antecedentes não poderiam ser mais diferentes — um fundamentalista do sul versus um católico do norte — e, ainda assim, por caminhos distintos, nós dois topamos com um poço natural de graça e dele temos nos servido desde então. Numa tarde gloriosa de outono em Aspen, caminhávamos por uma trilha atapetada de folhas douradas, à margem de um riacho que nos acompanhava pela montanha, enquanto Brennan contava algumas histórias de sua vida: a infância sem amor, a maratona em busca de Deus, o casamento e posterior divórcio, as mentiras e as coisas encobertas, a luta contínua contra o vício do álcool.
Ao ler estas memórias, talvez você se sinta tentado, como eu me senti, a pensar p_10823da seguinte forma: “Como teriam sido as coisas se Brennan não tivesse cedido à bebida”. Insisto com você para que pense diferente: “Como teriam sido as coisas se Brennan não tivesse descoberto a graça”. Mais de uma vez vi esse duende irlandês católico encantar milhares de pessoas com a maneira nova e pessoal de contar a história que todos queremos ouvir: o Criador de todas as coisas nos ama e nos perdoa.
Brennan conhece muito bem esse amor e, sobretudo, o perdão. É possível que ele tenha descido do palco e se embebedado num quarto de hotel. Ele admite nas páginas que se seguem ter quebrado todos os dez mandamentos várias vezes (não matarás, Brennan?). E todas as vezes ele pediu perdão, arrependido diante de Deus e dos amigos, levantou-se e continuou a caminhar.
Tal como Cristão, o personagem de O peregrino, ele seguiu em frente, nem sempre tomando as decisões certas, mas respondendo adequadamente às erradas. (Afinal de contas, o próprio John Bunyan deu o seguinte título à sua biografia espiritual: “Graça abundante ao principal dos pecadores” [Grace Abounding to the Chief of Sinners].) Em determinado momento, Brennan se compara a Sansão, aquele super-homem fracassado a quem Deus, de algum modo, encontrou uma maneira de usar até mesmo no dia de sua morte.
Ao ler histórias assim no Antigo Testamento, criei um princípio simples para explicar como é possível que Deus use homens e mulheres tão imperfeitos: “Deus usa o conjunto de talentos disponível”. Vezes sem conta Brennan se colocou à disposição de Deus. Nestes últimos anos, quase cego, muitas vezes adoentado e tendo levado não poucos tombos, numa idade em que deveria estar desfrutando da aposentadoria numa praia da Flórida, ele continua a pegar o avião e a voar para toda parte, a fim de proclamar o evangelho em que crê de todo o coração, mas que nem sempre foi capaz de vivenciar.
Um milionário de Denver, depois de ouvir Brennan pregar poderosamente numa igreja local, convidou-o para que dirigisse um retiro de uma semana, no qual falaria a um grupo seleto de oito amigos seus, entre os quais eu estava incluído. Quando Brennan disse que o retiro seria silencioso, o benfeitor não gostou: “Então eu o trago de longe até aqui para aprender com a sua experiência e ele quer que fiquemos em silêncio?”. Contudo, todos nós tivemos uma hora por dia de conversa pessoal com Brennan, um tempo resumido de orientação espiritual, depois de meditar nos escritos e nas passagens bíblicas que ele nos preparava. Brennan dava duro o dia todo, enquanto nós, na maior parte do tempo, íamos para o campo ou permanecíamos em nossos quartos e meditávamos.
Como o acampamento onde estávamos não tinha instalações adequadas, íamos todas as noites ao restaurante mais próximo, um local encantador, com vista panorâmica. Na primeira noite, Brennan levou um aparelho de som portátil e fitas cassete com composições de Rich Mullins e John Michael Talbot e propôs que, durante o jantar, ouvíssemos música para meditação e prosseguíssemos com nosso tempo de silêncio. Não demorou muito, apareceu uma garçonete muito animada: “E aí, gente, tudo bem com vocês?”. Ninguém disse nada. Alguns balançaram a cabeça e sorriram discretamente.
Uma pessoa que estava no restaurante reconheceu alguém do nosso grupo e se aproximou para conversar. Os clientes das mesas próximas à nossa olhavam com ar de censura para o aparelho de som, de onde saía uma melodia que conflitava com a música de fundo que tocava no restaurante. Brennan riu, ergueu as mãos em sinal de derrota e introduziu uma regra nova: silêncio suspenso durante o jantar.
Penso nessa cena cômica quando me lembro de Brennan. Mais do que ninguém eu sei, de verdade, que ele sempre buscou uma vida pura e santa, a ponto de morar numa caverna na Espanha durante meses, trabalhando lado a lado com os pobres, fazendo voto de castidade, pobreza e obediência. Todavia, seus ideais naufragaram. Outros ruídos — o tilintar das taças de vinho, as risadas vindas de um bar, a voz de uma mulher, a perturbação de outros, em suma, a desordem da vida — interferiam sempre em sua busca santa. Os demônios internos, que ninguém pode compreender a menos que já os tenha experimentado, se erguiam e assumiam o controle.
“Tudo é graça”, conclui Brennan ao olhar para trás, para uma vida rica, mas não sem máculas. Ele pôs sua confiança na verdade fundamental do universo, que ele tem proclamado com fidelidade e eloquência.
Sendo eu escritor, todos os dias me passa pela mente que é muito mais fácil editar um livro do que uma vida. Quando escrevo sobre o que creio e como devo viver, parece tudo muito bem, tudo muito certo. Quando tento viver tudo isso, é como se o inferno em peso escancarasse suas portas. Ao ler as memórias de Brennan, observo justamente o contrário. Concentrando-se nas falhas, ele deixa de fora muitas vitórias. Eu gostaria que ele contasse as histórias que o enfocam sob uma ótica positiva, e são muitas. Ao optar por uma narrativa em que conta abertamente coisas que podem denegrir sua reputação, Brennan se apresenta como o apóstolo Paulo se apresentou um dia, como “vaso de barro”, um recipiente descartável feito de sujeira cozida. É preciso ler os outros livros de Brennan para que se tenha uma imagem completa do tesouro que há dentro desse vaso.
Um poema de Leonard Cohen retrata isso muito bem:
Toquem os sinos que ainda podem ser tocados.
Esqueçam a oferta perfeita.
Em tudo há uma fenda.
Só assim a luz pode entrar.

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