"...a Bíblia é de uma ponta à outra, do Gênesis ao Apocalipse, uma polêmica contra a civilização.
Ao contrário dos livros sagrados e épicos de outras tradições, a Bíblia não reserva uma palavra para louvar a organização sociopolítica, as conquistas militares, os avanços tecnológicos e culturais e a vida urbana.
A obsessão do homem com a civilização e com o progresso é que tem sua validade continuamente desafiada pela narrativa bíblica. Deus não entende como os homens podem querer sitiar-se numa cidade quando poderiam cuidar de um jardim; não entende como podem querer amontoar-se num edifício de apartamentos quando poderiam espalhar-se pelo mundo falando diversas línguas; não entende como podem querer um rei, quando poderiam colher os frutos dourados da liberdade e da responsabilidade individuais. Os profetas não entendem como as pessoas podem querer o lucro quando poderiam ter a equidade, querer a prosperidade quando poderiam ter a justiça. Jesus, que não tinha onde reclinar a cabeça, não entende que possam querer ajuntar em celeiros quando poderiam deitar-se ao sol como a erva, que queiram colecionar em sacos sem fundo moedas sem valor quando poderiam no coração empilhar barras sem conta do ouro do amor. E os colonos do Reino no livro de Atos, ponderando essa herança toda, não entendem como homens que não têm nada a perder podem continuar querendo a propriedade, quando podem ter tudo em comum".
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